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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Watchmen - Existencialista e humano


Nunca fui muito de ler quadrinhos, sempre achei que era coisa para menino. O único que eu comprava às vezes era o nacional Turma da Mônica, e olhe lá. Por ser uma apreciadora da sétima arte, sempre conheci os quadrinhos através da telona, nas adaptações nem sempre tão fiéis para o cinema.
Este tipo de filme também sempre fica em segundo plano, principalmente as adaptações dos quadrinhos Marvel. Sei lá, gosto é gosto, mas mesmo que demore, eu sempre vejo.
Essa introdução toda é para contar que vi o Watchmen e simplesmente adorei. É claro que como todo bom filme americano de quadrinho que se preze, há aquela velha dicotomia EUA x Mundo ( leia-se russos, chineses, japoneses, árabes, sei lá....), ou seja, os americanos são os bonzinhos, todo mundo quer destruir a América e os super-heróis ( claro, que são americanos) vão salvar o mundo.
Até aí, beleza. Mas o filme tem uma produção de arte muito bem feita, com trilha sonora que casa perfeitamente com cada momento, mesmo na cena inicial quando uma luta é travada ao som de Unforgettable. As cenas que denotam o passado no início do filme dão um toque retrô à produção, e conta rapidamente, mas com esmero, a história da época de ouro dos Watchmen.
Quem espera ação do começo ao fim vai se decepcionar, pois a batalha é psicológica, mais que tudo.
Conforme o filme vai se desenvolvendo, você percebe que não se trata de uma simples produção de guerras e "vamos salvar o mundo", apesar de ter essa mesma linha.
Mas quando os heróis estão tentando salvar o mundo, percebi que eles estavam tentando salvar a si mesmos. Eles sofrem conflitos humanos e existenciais como todos nós, e travam uma batalha ética e moral consigo e com os outros o tempo todo. Cada característica pessoal do personagem não deixa de ser um reflexo da sociedade, como a psicose de Rorscharch ou o cinismo e sadismo do Comediante e busca da identidade de Jupiter.
O filme é muito filosófico e testa nossa capacidade de discernimento da realidade o tempo todo, como se no fundo todos fôssemos super-heróis de nós mesmos e ao invés de salvar o mundo, estamos acabando com ele. "Vale matar milhares para salvar bilhões?", é um dos questionamentos do filme. "homens são presos, animais são mortos" também.
Podemos ver claramente que por trás daquela roupa de lycra também bate um coração cheio de conflitos e buscando se encontrar, como todo mundo.
A história traz reflexões sobre a condição humana, a ética, a nossa parcela de culpa em ser o que somos e viver bem só depende de nós, mas segundo o filme, nós não queremos isso. O ser humano está se definhando aos poucos, em todos os sentidos.
Além do caráter psicológico, o filme vai fundo na questão geopolítica do período, 1985, quando o mundo vivia a iminência da Guerra Fria, e um ataque nuclear entre as duas potências mundiais era esperado a qualquer momento.
Vale muito a pena as 2h43min de filme. Mas não vá esperando muito ação, pois a palavra de ordem deste filme é reflexão.
Acho que vou até comprar a revista. O filme me deixou querendo saber mais.
beijos

2 comentários:

Antonio Barros disse...

Oi, Jéssica. Sou eu, o Antonio, que estudou contigo nas primeiras séries do ciclo fundamental. Lembra?

Vi o link de sua resenha do filme Watchmen no Twitter, e, como também gostei do filme, resolvi tirar um tempo para ler e, depois de lido, tirar um tempo para comentar.

Sua resenha vai realmente ao ponto. Parabéns!

Destacaria, além do que vc disse:

1) É um filme/HQ metalinguística, isto é, é uma história de super-heróis que fala de super-heróis, daí a intensidade do caráter psicológico da trama individual de cada personagem;

2) O cinismo do Comediante é, no fundo, a marca de uma cultura americana empobrecida por uma ideologia reacionária e por um fechamento político. Ele é o primeiro a perceber a degradação da sociedade e o primeiro a descobrir o plano do Veidt. Bem por isso que ele diz "É tudo uma piada!", pois, na verdade, a revelação da "pegadinha" fica para o final. É como se o plano de Veidt fosse uma pegadinha - um sentido que só se descobre quando a piada está contada, e fomos trapaceados pela linguagem;

3) Jon Osterman é basicamente Deus. Mesmo a sua falta de onisciência não lhe tira a capacidade de influir diretamente sobre todos os acontecimentos. Ele é, no fundo, a esperança de um "milagre" (o filme usa este termo) para salvar a humanidade. Além disso, ele tem o poder sobre a matéria e sobre a vida e a morte, igualmente. Porém, o que é interessante, ele é um Deus magoado; um Deus "caído" (o próprio Dr. Manhattan é vítima da degradação), e por isso só lhe resta o papel que, muitas vezes, cabe a Deus, quando ele não é mais o Deus dos milagres, qual seja, o de bode expiatório. Ele é quem recebe nas costas, sem reclamar, a culpa pela hecatombe, e recua diante da barbárie para, sendo vítima, salvar a humanidade. É ou não é "o corpo de Cristo"?

4) Rorschac é a figura que encarna a moral. Ele também se dá ao sacrifício, mas não como vítima expiatória, mas sim como o homo sacer que corre para dentro da vala comum junto dos outros sacrificados. Ele não compactua, sua moral é rígida. Contrariando, inclusive, um determinismo piscológico muito em voga, segundo o qual um garoto nas suas condições de vida degeneraria em um bandido. Nesse sentido, Rorschac é a antidegeneração; é a salvação, a expiação. E depende dele, justamente, o testemunho que revelará a farsa. E ele e o Comediante vão rir por último, quando o seu diário for enfim publicado.

5) O Coruja é covarde, mas não por um atavismo típico, mas sim por uma opção refletida. Ele "fica em cima do muro", não vai contra a farsa, não vai contra nada. Ele se recolhe para não ter que assumir qualquer posição diante do Armaggedon. Isso porque ele é, ao mesmo tempo, conformado e conservador. Ele é quem se esconde a olhos vistos, como disse Rorschac. No final, sobra a ele a mulher, a mocinha, e para sua mentalidade pequeno-burguesa, isso não é pouco.

Enfim. Essas são considerações. Espero que goste do que lhe deixei como humilde contribuição.

Parabéns pelo blog e pelo bom gosto.

Um abraço,

Antonio.

fellini ? disse...

bom ter blogs falando da grande Hilda Hilst..devir intenso & belo.

abraços?
fellini ?